Monday, November 06, 2006
Carta para uma Puta Poeta
Cara amiga Puta Poeta,
Sabe, amiga... Nunca vou ser normal. Parece que eu sou uma pessoa ativa, decidida, determinada. Mas não consigo me livrar das dependências, de meus vícios. Como no amor, na paixão. Se alguém me toma com propriedade, comporto-me como tal. Eu faço tudo que está ao meu alcance para agradar, cuidar, fazer feliz e não perder quem amo. Vejo que já tenho fãs. Não porque sou bonita, dieta, strech, ginástica e maquiagem. Você viu? Ando sempre tentando passar despercebida, e quando uso a maquiagem para realçar minha beleza, as pessoas me notam. As pessoas querem que usemos máscaras para que fiquemos mais perto do que eles esperam de nós. Por isso bebo. Para fugir das máscaras que eu própria quis vestir para ficar mais perto do que eu queria ser. Estou aqui fazendo papel de MARIA novamente. Sofrendo pelos outros, me doando sem querer nada em troca. Tudo o que mais quero, o que mais desejo é o que possa vir de mim mesma. Quero me libertar, flutuar, gozar, rir até cair. Rir e gozar até chorar. Meus olhos são sensíveis, míopes e sensíveis. Enxergo o mundo todo desfocado porque enxergo demais. Meus olhos são muito grandes para ver o superficial. Então uso meus óculos para ver se tento me encaixar nesse mundo, mas quantas vezes eu já não quebrei as essas lentes, quantas vezes quis escondê-las por vergonha. Está na cara, diante de minha face que eu não sou igual a todos que vêem o mundo perfeitamente. E você sabe que o perfeito é aquilo que não temos. Como aquele meu amor que nunca tive e ainda fica aqui tentando ser lindo. Era tão puro que me dá raiva. Foi tão auto-suficiente que se torna incompreensível quando ponho meus óculos para vê-lo. Só espero que a maneira como eu toco os sentimentos seja como miopia: progressiva.
Sentimentos,
Sua amiga Puta Poeta
Saturday, November 04, 2006
Cleópatra entra na sala...
Cleópatra diz para todos: Oi!
Júlio César flerta com Cleópatra: Veio ao meu encontro, Cleópatra?
Pimpolho fala para Cleópatra: O Júlio César é um corno!
Cleópatra responde todos: Obrigada por me avisar, mas na verdade estava querendo fugir de Júlio Césares e de Marco Antônios. Mas e tem jeito?
Tiazinha pergunta para Cleópatra: Está magoada com aqueles idos anos do Império Romano?
Cleópatra responde para Tiazinha: Queria começar vida nova. Sabe que minha fama não é das muito boas lá no Egito...
Pimpolho ri de Tiazinha: Não faz mal, porque a fama da Tiazinha também não é muito boa aqui nessa sala.
Júlio César ri de Pimpolho: Não esquente, Cleópatra! Nem vc, nem a Tiazinha têm que se preocupar com fama nenhuma!
Pimpolho responde para Júlio César: É... só para a gente esquecer a tua fama de corno!
Júlio César grita com Pimpolho: CALA A BOCA!
Júlio César flerta com Cleópatra: MAS, vc ia dizendo que queria fugir... Deu um salto no tempo! Estamos em 1999 quase no século 21!!! Não se sente desconfortável?
Cleópatra responde para Júlio César: Não. As coisas não mudaram muito. Os papos são os mesmos, a única diferença é que não vejo sua cara, nem sua letra.
Júlio César pergunta para Cleópatra: De que computador vc fala... digo. De onde teclas?
Cleópatra responde para Júlio César: São Paulo.
Júlio César ri para Cleópatra: Então deve estar molhada. Será que amanhã vai ter outra enchente aí?
Cleópatra fala para Júlio César: Não brinque. Isso é sério. Muitas pessoas vêm suas vidas se desgraçando.
Júlio César se desculpa com Cleópatra: Seria cômico se não fosse trágico. Me desculpe a insensibilidade.
Cleópatra pergunta para Júlio César: Pois é. E vc? De onde teclas?
Falo de Salvador. E aqui perto falta muita água.
Cleópatra ri para Júlio César: Vai ver que erraram de chuva..
Júlio César ri para Cleópatra: É vai ver que é...
Cleópatra pergunta para Júlio César: Por que demorou tanto pra escrever? Está falando com outra pessoa no reservado?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Estou agora com vc.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Tô falando que as coisas não mudaram nada. Lá vou eu com minhas neuras, mas... Vc me parece distante desde a chuva.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Me desculpe. Por que Cleópatra?
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Por que o quê?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Por que o nome Cleópatra?
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Não sei. Pergunte à minha mãe.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Foi sua mãe que lhe pôs o pseudônimo?
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Não, meu nome é Cleópatra, mesmo. Uma vez eu li que Cleópatra significa: a glória do teu pai, mas meu pai não é lá muito glorioso.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Não estou acreditando. Olha, até agora não disse nenhuma mentira. Acho que o neurótico agora sou eu. Mas não quero que vc minta. Estou gostando de teclar com vc.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Que bom que vc não mentiu, porque eu também não estou mentindo. Se vc tem uma caneta por aí, anota meu RG. Vc vai ver como eu existo. E como é meu nome.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Pois espere um pouco que vou buscar a caneta. Enquanto isso delicie-se: Meu nome é Júlio César também. Não gosto de mentir na Internet, porque as pessoas geralmente acham que é mentira, mas a vida real é mais fantástica do que Marina Colassanti.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Já que vc vai demorar, quero mandar mais coisas nessa fala. Quero dizer que entrei nessa sala porque comecei a achar meu nome ridículo. E estava pensando justamente nisso: de que todos iam achar que era um pseudônimo, mas estava afim de conhecer outras histórias, nem que fossem mentiras. É bem verdade que estava fugindo de Júlio César e Marco Antônio. Estou num desses “recomeços” que dizem que a vida tem. Estou sozinha.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Olha, coloquei no som a música sozinho, que o Caetano está cantando agora. Mas antes era sozinha de sandra de sá. E acho assim que nessa música tem uma coisa que é o de amar a tal pessoa com quem vc está, mas ao mesmo tempo tem a possibilidade da outra pessoa, que pra mim parece bem forte. Pois ela fala que me ama, mas é da boca pra fora. E se eu me interessar por alguém? E se esse alguém de repente me ganha? Aí no silêncio dessa noite eu já começo a imaginar nós dois. EU & VC, Cleópatra. Se vc existe mesmo, se vai me dar seu RG para provar, eu lhe peço que fique essa noite comigo. Estou sozinho também.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Olha, já que estamos sendo sinceros quero lhe dizer uma coisa: também tenho uma pessoa no meu coração, mas ele já não está comigo, ele foi embora, foi por isso que entrei nessa sala: pra fugir. Vejo que vc também está fugindo de alguma mulher. E digo mais: Acho que vc está realmente muito “solto” Por que vc me deixa tão solto? Acho que essa tal moça te deixa bem solto, ela está solta, vo6 estão negando um compromisso. Vc reclama dela a mesma coisa que vc faz com ela. Como é o nome dela?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: O nome dela é Maria Elisa. Um nome lindo e eu nem sabia que era assim. Todos a chamavam de Elisa, e quando eu soube que era Maria Elisa, pensei que talvez ela fosse ainda mais bela do que os outros falam, e do que eu conheço. Como o nome dela. Nossa! Que coisa bonita falei agora. Acho que as coisas são muito bonitas na hora em que acontecem. E eu nem sabia que o que senti naquela hora era isso. Agora é que estou falando. E achei tão bonito falar isso, que me assustei. E de novo sinto as mesmas coisas que senti por ela naquele começo.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Desculpe a pergunta, mas ela te traiu?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Não sei. Mas ela traiu nosso amor, nossa confiança mútua. Ela ficou distante demais e eu não suporto ver ela se afastando de mim. Por isso acho que me empolguei com vc. Acho que se ela tinha um problema, deveria me contar...
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Essa sua Capitu... Sabe o que eu acho? Acho que a Capitu fez a mesma coisa que Maria Elisa. Acho que ela foi se distanciando do Bentinho e ele sentiu isso. Acho que ela queria ter um filho, e Bentinho parecia que não podia... E num deslize, numa distração. Ela e o amigo... então quando a criança nasceu, acho que ela se esqueceu de tudo, mas Bentinho é que começaria a perceber e a ter ciúmes do filho. Vc não está sendo Dom Casmurro demais? Se vc gosta dela, por que faz isso com vc mesmo?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: O que estou fazendo? Só estou tentando encontrar alguém pra mim.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Acho que vc se preocupa demais em achar a tal pessoa e não quer enxergar que essa pessoa pode ser a tal Elisa.
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Maria Elisa. Sabe que ela implicava com o nome? Achava nome de velha. E eu adorava chamá-la Maria Elisa. Demorou para ela se acostumar, mas ela acabou gostando. Por que será que as coisas não dão certo?
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Começou uma tempestade aqui em sampa. Estou com medo. Estou com medo de que acabe o mundo. Onde será que nossas almas irão bailar?
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: A minha com Maria Elisa... se ela quiser... Sabe que quando estamos juntos parece que ela me ama, mas... se nos separamos por muito tempo parece que minha cabeça se enche de dúvidas.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Espero que vc não se perca nessas suas dúvidas. O cara que me deixou também tinha umas minhocas na cabeça, mas aconteceram muitas coisas entre nós dois. Digo, muitas barreiras entre nós dois. Coisas irreversíveis, tanto quanto o sentimento. Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: Acho que meu sentimento também é irreversível, mas não quero ficar sozinho.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: Eu também não.
Júlio César murmura reservadamente para Cleópatra: Poucas palavras...
Cleópatra murmura para Júlio César: Muitos tambéns.
Júlio César suspira para Cleópatra: Pleno acordo.
Cleópatra suspira para Júlio César: Como se beija pela internet?
Júlio César responde para Cleópatra: Acho que se vc ficar em silêncio e fechar os olhos, o beijo vem.
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: ...
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: ...
Cleópatra fala reservadamente com Júlio César: ...
Júlio César fala reservadamente com Cleópatra: ...
Cleópatra responde para Júlio César: Vc não vai ficar sozinho. RG 8 567 789 0 . E-mail: Cleópatra@ig.com.br
Cleópatra sai da sala...
Copo blue
iNSÓLITA eSTRELA
“sinto muito.”
MEDO DO ESCURO
O piano desafinado. A poeira que ainda resta sobre ele. E ela toca. O amor lhe dói agudo mais uma vez. E ela sabe que é assim. As mãos não conseguem fazer soar no piano a melodia que o coração sente, mas os ouvidos fingem escutar música agradável. Sozinha no escuro ela pensa “Eu vou passar bem rápido pelo escuro assim ninguém vai poder me pegar. Nem o diabo, nem nenhum morto.” - Por que você está correndo, menina? Vergonha de seu medo. Alguém algum dia lhe contou que todo mundo tem medo? A Menina tem medo. Quando briga tem medo. Quando perde o controle tem medo. E chora lágrimas de quem não entende nada. Por que os pais eram separados dela? Por que ela tinha que aceitar ordens de alguém que não é nem seu pai, nem sua mãe? Ela não quer que eles voltem a se casar. Eles só podiam não estar separados dela. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro num quadro acima da cama. A Menina fazia catequese e a “tia” disse que ter fé era dar um passo no escuro. “Eu tenho medo do escuro! Eu tenho medo do escuro!” A “tia” disse que a gente tem que crer em nosso Senhor Jesus Cristo para nossa salvação. A santíssima Trindade. “Eu meu pai e minha mãe? Como pode ter três deuses em um?” A “tia” disse que a gente tem que ter fé, que fé é o passo no escuro. “eu tenho medo do escuro! Eu tenho medo do escuro! Eu não tenho fé???!!” Mas e se ela chorar e rezar o terço cor-de-rosa que a professora de piano lhe deu, será que pode pelo menos dormir tranqüila? O terço é lindo! As pedras têm cores de rosa que são muitos tons refletindo outras cores na luz – e não no escuro. Não são como o terço feio da Avó. Terço azul de plástico. Azul de bugiganga de plástico. Plástico azul do espremedor de laranja que também é velho e sujo. A professora de piano, que era freira, foi quem deu a ela o terço. A Irmã gostava da Menina. Da criança alegre e inteligente que ela era. Os outros alunos reclamavam que a Irmã era brava, mas com a Menina era só de vez em quando, quando ela não tinha estudado nada mesmo. E, mesmo quando ela fica brava, ela não achava que a Irmã era tão brava assim. A Avó era bem mais quando não queria estudar piano. E a Irmã sempre a deixa tocar um monte de músicas no final do ano. Na primeira audição de piano de sua vida a Menina tocou “Férias na Espanha”. A Irmã lhe deu uma música que considerava de nível mais adiantado que o dela. Falou que se não desse pra decorar, tudo bem. Chegando em casa, a Menina contou pra Avó, feliz da vida. E a Avó disse “como se não der pra decorar tudo bem? Você é capaz! Você decora! Vai mostrar pra todo mundo que você decora!”. A Avó não entrou no universo da Menina. Não percebeu que o grande acontecimento era que a professora a elogiava, e que a Menina estava feliz por isso. A Avó pulou essa etapa, não esperou que crescesse nela a vontade de decorar. Tão logo tocou a primeira vez a música, a vó já tomava a partitura da Menina e forçava-a a lembrar da música. Não vinha dela própria as vontades. De tanto chorar, tanto chorar, não entendia o que estava acontecendo. Chorava, apertava bem o olho pra sair a lágrima e parar de doer a cabeça e sair o azedo de dentro dela. De olhos fechados a única coisa que existia era a sua dor, a sua solidão. Quando abriu o olho estava lá sentada no banco do piano com as pernas balançando, de vestido branco, cabelo channel, e uma tiara de florzinha. Tocando tudo de cor. Junto às lembranças, analisa: “Minha vó sentiu orgulho, mas eu não estava mais feliz por isso.” No dia de sua formatura do curso piano sentia um choro preso na garganta. Era dia de festa e seu coração estava derrotado. A Menina gostava de um rapaz que não estava ali. Estavam a Avó e o Avô exibindo um orgulho bobo. A Amiga, que também se formava, estava chorando porque o pai dela não ia. “O meu também não! Nem minha mãe.” Mas a Amiga estava chorando porque os pais tinham brigado e pra a Menina era até fácil de entender uma briga, de aceitar, de fazer a Amiga se sentir melhor... a Amiga chorava porque a família poderia ser desfeita. A Menina chorava por nunca ter tido a família perfeita.
Era um domingo de manhã. A Menina sai pra comprar jornal com sua irmã Caçula. A Caçula pergunta ao olhar para um homem, uma mulher e um bebê no carrinho: - A família deles é normal, né? - É isso o que você quer? Uma família normal? Então saia dessa família, que é menos um pra encher o saco! Como pôde responder a Caçula assim? Um dia ela mesma já quis a mesma coisa. É que a Menina às vezes se esquece que a Caçula só agora tem as idades que ela já teve há muito tempo. Às vezes se esquece que a Caçula fora criada diferente dela e que só agora ela começa a se defrontar com o que sofreu quando era muito, muito pequena. A Menina é e sempre será a filha primogênita, a neta primogênita. A mais velha que tem que cuidar da Caçula e dos primos. Cuidar para que os pais das crianças não pirem a cabeça deles como a dela. Tão pirada, tão perdida. Com coragem até demais. Às vezes lembranças, culpas, medos...
Já não é mais tão Menina. Mas ela ainda tem medo do escuro. “Ele me levou pro escuro, eu tinha 15 anos”. A Nem-Tão-Menina estava fazendo o que sabia fazer e sentindo o que sabia sentir. Ela quis mais do que podia entender. E resolveu experimentar pra ver o que era. “Te levo prum lugar mais calmo. A casa de um amigo meu.” Ao ouvir isso pensou em cama macia e cheirosa. “Ele me comeu no quintal. Ele me levou pro escuro e não quis nem saber o que eu sabia fazer.” Mesmo assim às cegas, de um jeito de outro, foi do jeito dela. Então a Nem-Tão-Menina finalmente estava fazendo e era bom de sentir. Depois ele saiu de dentro dela, vestiram as roupas e ele a limpou da terra, do suor, e do sangue. E como era pouco sangue, nem reparou que era a primeira vez dela. Aí cada um foi prum lado. Foi tudo normal. Normal demais. Como se ela tivesse feito isso a vida inteira. Estar lá era muito fácil. Sentir o bom da coisa também foi fácil. Mas então já tinha acabado. E o caminho de volta era escuro. Depois desse dia, ela viu que o que fazia falta era outra coisa.
Naquela construção, a turma reunida e a Nem-Tão-Menina chegava junto com umas amigas. Tinham feito uma vaquinha pra comprar a droga. Estavam ali eles e o baseado. No escuro daquela construção a Nem-Tão-Menina sentia o cheiro que fazia tudo parecer mais parecido com o que era a vida dela. Sentados, deitados, esculachados no chão. O Veterano acendia, puxava e soltava, passava pro próximo à esquerda, depois dos piás, ela foi a primeira a pegar no cigarro. Só de pegar naquele baseadinho, ela já começava a sentir uma familiaridade. Fumaça sendo puxada pra dentro dela. “Prende, prende o máximo que você puder, senão não dá barato, depois solta!” A Nem-Tão-Menina pôde ver na cara do Veterano a expressão de desolação “Vocês que tão aí na primeira vez! Não entra nessa vida! Não entra nessa vida, não! Que você não consegue sair!” Foi tão sincero! Passou mais uma vez, mais outra. “Vamo embora?”. A Nem-Tão-Menina e as amigas saíram dali. Desceram a construção. E já no meio da rua, cada uma correu pra um lado, e uma terceira vomitava no chão. A Nem-Tão-Menina saiu correndo de volta pra festa da Igreja. Não se controlava, não controlava nada! As mãos tremiam, as caras, as vozes, as pessoas pareciam apontar pra ela. Era real? Era loucura? “Não venha sozinha pra casa!” Mas os passos iam sozinhos. Ela queria voltar pra casa. “Com quem eu vou voltar se não tenho ninguém?”. A casa era logo ali. Chegou em casa, a Avó perguntava: “Como foi de festa?” Não controlava nada, até sua própria casa parecia diferente, ainda tinha que falar com a Avó. Inventou qualquer coisa pra chorar de emoção, foi pro quarto, pro escuro, e ainda que fechasse os olhos, ainda que os deixasse abertos via sempre as mesmas coisas, imagens estranhas, desenhos, computação gráfica, ela poderia ser como um computador. Mas o vento falava com ela. Uma repetida palavra que não se lembra mais... Queria dormir, mas enfrentou as maluquices a noite toda, até que dormira e acordara no outro dia.
De novo no escuro do agora, é Mulher-Amarga. Mais um amor desfeito numa vida toda cheia de desilusões. Tudo o que sabia parece tão pequeno. Depois de dar passos no escuro não sabe mais o que esperar. Não sabe mais como o fazer. O medo do escuro a invade. Traz lembranças, traz a solidão. O medo do escuro persiste. Traz incertezas e um imenso vazio. Um piano desafinado chora junto com as lágrimas. As cordas, as mãos desacostumadas, as teclas amareladas. Tudo chora de medo do que virá. Medo do escuro final.
o universo continua mudo
Mariposas
Quando ele foi embora um silêncio me tomou. Por alguns segundos houve em mim um hiato. Durou pouco. Senti algo na boca do estômago, nas veias correndo. Pulsava a vida.
Descobri onde estavam as borboletas. Eu as havia engolido e elas dançavam dentro de mim.