Thursday, November 02, 2006

Mais uma vez ele não pergunta

Dessa vez ele não pergunta: “o que aconteceu?” Ele sempre pergunta e ninguém nunca responde. A mãe já tinha dito: “Esse garoto é muito estranho. Às vezes eu fico com medo. Ele olha com essa cara séria, parece que está me analisando. Ele me lembra um professor de Matemática que afirmava que tudo era Matemática. Vai que esse menino fica assim? Uma desgraça!” E hoje a mãe ficara séria, diferente daqueles olhares perdidos de sempre. Ela não tinha o ar tão ingênuo. Acho que dessa vez ela desistira. Eram quinze para as duas da tarde. O almoço já tinha desgastado a velha fórmula da política de boa vizinhança. A mãe já tinha quebrado o pau com a D. Candinha que insistia em reparar em quantos e como eram os homens que entravam naquela casa. “Eles não são meus namorados. Eles não são!” A vizinha já tinha dito pro menino não ficar triste com as coisas erradas que a mãe fazia. Ele fez aquela cara que a mãe tinha medo, mas a D. Candinha não entendeu e ficou achando que o menino era assim estranho por causa da mãe. Ontem à noite ela tinha feito um jantar bonito, ela se arrumou, se perfumou. O filho estava feliz, a mãe tinha um brilho no olhar. Ele mesmo ajudara a mãe a fazer o jantar, arrumar as coisas e tinha dito pra ela para não pôr aquele batom. Que ela tinha que estar natural, que não ficasse nervosa, que ele ia perceber. E disse que se o cara fosse machão, ele dizia que era sobrinho, ou até irmão. Ela falou “Não, meu bem. Ele não é que nem esses caras que vivem por aí xingando as mulheres, nem como o marido da D. Candinha que machucou a mãe daquela vez.” Ele era especial e ela já tinha contado que ele era seu filho. Que agora ele ia ter um pai de verdade. O menino sorriu, mas não porque ia ter um pai de verdade. Esse pai ele já tinha, a mãe não sabia que o dono do bar era o seu pai. Que foi ele que tinha lhe ensinado a soltar pipa, e que ajudava nos deveres de casa, que já tinha ido com ele ao Zoológico, e já tinha imitado todos os políticos da TV, e que ele lhe emprestava o jornal para ler. Ele não sorriu por ele, mas sorriu para a mãe. Agora sim, ela ia ter um marido de verdade. Mas eles esperaram a noite inteira e ele não apareceu. A mãe pra não jogar toda a comida fora convidou a filha da dona Candinha pra almoçar em casa e acabou aparecendo a mulher e o marido. A mãe disse: “Aniversário do Zezinho hoje, resolvi fazer banquete e exagerei na quantia.”D. Candinha que não perdia uma, já foi logo dizendo que viu a luz deles acesa até tarde. Perguntou se estavam esperando alguém, a mãe disse que sim, a avó. “Mas veja bem, minha filha, como é que uma velhinha vai se abalar de sua casa até aqui sozinha à noite, e com esse frio que vem fazendo, né pai? Aliás porque deixar a mãe sozinha? Será que não tem coração? Tem que trazer a mãe pra morar junto. Quem sabe assim...” “Quem sabe assim o que, D. Candinha? Vai, diz logo... A senhora acha que sou uma puta, não acha? Mas a senhora pensa isso porque seu marido veio pra cima de mim daquela vez... Pois fique a senhora sabendo que eu não tenho culpa da senhora ser uma incompetente que não sabe cuidar do seu marido. E além do mais, eu não fui a única que ele conseguiu desgraçar. Mulheres às dúzias fazem o que fazem por prazer de trair mulheres como a senhora.”“Mas é uma desbocada mesmo, Maria Antonieta vá já pra casa. Não quero que você escute essas bobagens da boca dessa... dessa... Dessa mãe desnaturada que não respeita nem a presença do filho.” Nessa hora ele corre pra abraçar a mãe, dando o sábio apoio que ela precisava. Sem nenhuma palavra ele conseguia consolar a mãe e os dois choravam juntos a magia de serem amor. Eram quinze para as duas da tarde e a essas alturas D. Candinha saía dali falando as mesmas coisas de sempre até chegar na sua casa. E mais uma vez ele não pergunta nada. “O que aconteceu?” Aconteceu o mesmo de sempre. Mas, se Deus já não se esqueceu deles, a mãe há de se aprumar... Qualquer dia desses há de se aprumar...

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