Saturday, November 04, 2006

Copo blue

Acabei de quebrar um copo. Copo de vodka. E os cacos que rolaram e grudaram no chão úmido são azuis. Estava escuro e nem vi a cor. E ao andar pisei neles. Acendi a luz e estavam lá os lindos cacos azuis. Pensei em limpar tudo rapidamente, mas eram tão bonitos os azuis e seus tons, semitons de um blues. Qualquer coisa como um BLUES... de azul e tristeza. Qualquer coisa como uma viagem que mal começara... Risadas. Música alta e gente mais alta ainda. Todos bebendo em copos coloridos e apenas um deles era azul. Lembro-me daquele copo e da mão que o segurava. Mão de mulher. Era uma mão como aquelas rápidas e ágeis com dedos compridos e unhas afiadas. Aquela mão que adora se enroscar nos pêlos do peito de um homem. Ou deslizar seus dedos no pele a pele. Mãos que aceitam tudo e que gostam. Mãos que nos fazem gozar. Mãos que são felizes por serem mãos. A mão do copo era a mão esquerda. Ela era canhota. Sim, era. E borrava tudo quando escrevia com Parker. Era para ela o telefonema. E foi dela o papel que achei no dia seguinte. Corações e flechas, gotas e mais gotas de sangue e o nome dela, que não me lembro. O telefone de alguém que não me lembro. Era um celular. Com prefixo nove. No ano de noventa e nove quando os celulares começaram a se popularizar. No início das privatizações. Era o telefone de alguém especial ou casual. Pra ela era tudo a mesma coisa... Pra mão. Foram aquelas mãos que pegaram um CD de Blues e apertaram aqueles botõezinhos no visor, aparecendo os números. 1,2,3,4,5. Número cinco. A música entrou goela abaixo dos que comiam e bebiam e fumavam. O baixo estava estagnando a melodia. O baixo mexia com as partes de baixo. E, malmente, alguns começaram a dançar e ela balançava aquelas mãos e o copo azul. E o ritmo frenético de seu corpo era embalado pelas mãos. Ah! mil cacos não cobririam aquela mão de azul. Mil cacos azuis no chão não cobririam o azul de algumas lembranças. De alguns relances dos lances curtidos numa noite de Blues. . Ela era Blues num copo blue. Ela era azul num corpo blues. Copo louco que percorria o corpo dela. Será que ela sabia que estava na minha casa? Bom... o fato é que ela ia ser minha aquela noite. E ela sabia porque o corpo dela vinha na minha direção. O Blues trazia ela pra mim. E ninguém percebeu. Só eu. Você sabe o que esperar de uma noite assim. Será que não existe lugar onde se possa prolongar o perfeito? Acho que essa é a imperfeição dos momentos ilesos de sentimentos. Acho que essa é a grande piada da vida. E acho que é por isso que os copos se quebram. E é por isso que os cacos grudam no meu pé. Eles ferem. Eles mancham. Mas ainda tenho o número do telefone celular...

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